A chuva estava pesada e fria, mas meu corpo estava quente. Meu sangue corria em ebulição nas minhas veias, e poderia jurar que vi fumaça quente saindo da minha pele.
O homem é um bicho curioso. Por mais bondoso que seja, ele é capaz de cometer os atos mais surreais durante a raiva. Por mais racional que seja, ele se torna o pior inimigo dele mesmo na hora do medo.
Voltei para casa, encharcada até os ossos. Mas nem me importei com isso, pois meu corpo continuava quente...e meus olhos ainda tinham a cor do ódio.
Fui lavar minhas mãos, cheias de terra e sangue. Aquele sangue me deu certo nojo logo de início, mas depois me deu uma sensação de vitória. Só de olhar para aquele sangue indo para o ralo, me lembrei daquela hora. Me lembrei dos gritos implorando misericórdia, do sangue ainda vivo espirrando no meu rosto... do último suspiro. Tudo de repente era silêncio e sombras. Era apenas um corpo jogado no chão, e eu vitoriosa.
Mas a sensação de vitória logo foi embora. O medo arrepiou o meu corpo, e a culpa congelou os meus ossos. Senti minha boca secar, meus olhos arderem, minhas pernas imóveis. Não conseguia olhar para trás, e também não queria. Mas a curiosidade falou mais alto...
Lá estava ela, do mesmo jeito que a deixei no porão. O medo era tanto que mal pude gritar...
Seus olhos me olhavam com piedade. Sua boca desfigurada se abriu:
- Meu destino foi terrível, mas o seu será bem pior...
Tudo se tornou sombra. Um cheiro adocicado invadiu minhas narinas...um cheiro que misturava flores e madeira. Meu corpo, imóvel. E assim é até hoje...e vai ser por toda a minha eternidade.
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