quinta-feira, 5 de maio de 2011

Ela e Ele


E ela disse certo dia que não viveria mais sobre o muro, onde adorava passar as tardes olhando para a rua, vendo todas as crianças correndo atrás de uma pipa ou uma bola.
 Via carros passando, adultos andando para lá e para cá, ora com uma sacola, ora com qualquer outra coisa nas mãos, ou simplesmente andando livremente, olhando para todos os lugares.
 Era engraçado ver os cachorros correndo atrás das pessoas, latindo, com a língua de fora. Latiam para tudo: para os carros, os gatos que também ficavam sobre os muros, e até para a própria sombra.
 Mas ela estava cansada de passar as tardes ali. Sentia-se como se o mundo continuasse o mesmo sem ela, como se o fato de ela observar tudo não mudasse nada. Não importava quanto tempo ela perderia ali, as pessoas continuariam andando, sem nem mesmo saber quem era ela. Ela via a vida passar diante seus olhos, como via um filme na televisão.
  Assim, desistiu do muro e foi para o quarto. Lá ela ficou por muitos dias, se lamentando por ter deixado o mundo lá fora e por ele não sentir sua falta.
 Começou a pensar na escola, nos amigos, na família... e percebeu que eles também continuariam os mesmos sem ela. E a dor do esquecimento foi tão grande que ela só fez chorar. Chorou tanto que seus olhos já não tinham mais lágrimas.
  Então, ouviu um barulho na janela. Sim, era barulho de chuva. Abriu a janela, e viu que todas as flores do jardim de sua casa choravam com ela, as folhas, todos os insetos que andavam pela grama e até as nuvens, que derrubavam grandes pingos de sofrimento. 
  Ela olhou para o muro, então vou uma flor e junto havia um papel todo molhado. Foi até o muro, pegou a flor e o bilhete, e o leu: 
   "Talvez não me conheça. Acho que nunca reparou em mim. Sou seu vizinho, e passo todas as tardes olhando para você, quando fica sobre o muro. Senti sua falta. Por favor, não vá embora, não me deixe só, sem poder te ver."
  Quando terminou de ler, a tristeza e a sensação de abandono deram lugar para uma alegria tão grande que mal cabia no seu peito. Ela descobriu que era importante e que as pessoas sentiam sua falta, até mesmo seu misterioso vizinho que ela nunca tinha visto.
  Quando passou a chuva, ela foi novamente para o muro, mas em vez de olhar para a rua, olhou para a casa ao lado. Viu o menino solitário que lhe deu a flor, que sentiu sua falta. Ele estava sentado e olhando para ela, com olhos em brasa e uma felicidade que saía de seu sorriso e iluminava tudo que estava em volta. Ele estava só esperando por ela, sentado ali há tempos e olhando para o muro, como se visse sua vida chegando, como se estivesse esperando por algo mais importante que tudo.
  





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